Martha Branco

40 anos, Maia, Porto «Sinto muitas vezes hostilidade e falta de respeito pelo nosso espaço nas ruas quando estamos na bicicleta. Então, digo que andar de bicicleta é um ato de amor e, principalmente, de resistência.»

Principal dificuldade

Dividir o espaço com carros que não estão preparados para dividir este espaço

Conselho

Manter-se firme e ocupar o espaço que é seu por direito, não se deixar intimidar e assim fazer parte do trânsito

Qual a tua experiência em bicicleta na cidade?

Mudei para o Porto faz quatro anos e, poucos meses depois, a bicicleta começou a fazer parte do meu dia a dia. Aos poucos foi-se tornando o principal meio de transporte em minha casa, para ir ao mercado, para o trabalho, visitar amigos e familiares e passeios no geral. Mas tenho a sensação de que durante o último ano os automobilistas têm estado mais nervosos e sem paciência para com ciclistas e pedestres. Sinto muitas vezes hostilidade e falta de respeito pelo nosso espaço nas ruas quando estamos na bicicleta. Então, digo que andar de bicicleta é um ato de amor e, principalmente, de resistência.

Fala-nos de como o género tem condicionado, ou não, essa experiência.

Sei que vivemos numa sociedade machista e patriarcal, mas acredito que aqui na região do Porto — e faço esta ressalva porque acho importante —, ser mulher ou homem é indiferente, no meu ponto de vista e pelas experiências que vivi.

Se consideras que tem condicionado, que situações viveste, ao usar a bicicleta, em que sentiste de algum modo desigualdade, insegurança ou falta de acesso pelo facto de seres mulher?

Observo que estamos tão atrasados em relação a este tema, que em cima de uma bicicleta somos iguais [homens e mulheres] e sofremos as mesmas consequências da violência no trânsito — que se deve muitas vezes à falta de empatia para com o ciclista, às altas velocidades dos carros e à invasão do nosso espaço na via pública, como se estivéssemos a ocupar um lugar que não é nosso.

O que falta na tua perspectiva para que mais mulheres usem regularmente a bicicleta como meio de transporte?

O que falta, no geral, para homens, mulheres e crianças andarem mais de bicicleta, e até mesmo a pé, é uma consciência geral. Começar logo na escola, e também introduzir algum material sobre este tema nas escolas de condução, para quem vai tirar ou renovar a carta. Também faltam medidas dos órgãos públicos, educar os condutores com multas reais e pesadas para quem mostra claramente que não respeita os sinais de trânsito, quem ocupa os passeios e as ciclovias estacionando os seus carros, e quem não respeita os demais utilizadores da via pública. Sinto que estamos muito longe de algo bom para os ciclistas, e, com as novas obras que vejo acontecendo na cidade, parece que estamos andando para trás.

+ Histórias

Marisa Alves

54 anos, Gondomar, Porto

«O que se tem de gerir é o que qualquer mulher está habituada a fazer desde que se move pelo espaço público sozinha, evitando algum tipo de trajeto ou determinadas horas do dia. Mas isso, quer vá de bicicleta ou noutros modos. Ou seja, quanto mais seguro for o espaço público, mais mulheres andarão nele de todas as formas.»

Victória Clemente

12 anos, Belém, Lisboa

«Uso regularmente transportes públicos, e tenho sempre aquelas inseguranças e medos que nunca senti na bicicleta. Sinto-me muito mais segura na bicicleta do que em muitos transportes públicos.»

Isabel Viana

69 anos, Porto

«Lembro-me de um taxista que me bateu violentamente por trás, fui projetada uns metros… Disse-me “a senhora não devia andar de bicicleta”, “sabe que quem anda à chuva molha-se”. […] Outro disse que se eu fosse um homem me “tratava da saúde”.»

Beatrix Rencsisovszki

43 anos, V. N. Gaia, Porto

«Penso que no centro da cidade [do Porto] não conseguimos fazer infraestrutura suficiente para as bicicletas porque as ruas não são muito largas, mas podemos ensinar a ideia geral de que o mais vulnerável tem prioridade.»

Luzia Borges

49 anos, Dafundo, Lisboa

«Talvez sinta também condescendência por ser mulher, como se ser mulher fosse de uma fragilidade tal que é quase sinal de loucura andar na estrada — que “estão a pôr-se a jeito” e “depois não se queixem se forem atropeladas”.»

Maria Luísa Sousa

46 anos, Penha de França, Lisboa

«Viver numa zona movimentada dá-me o privilégio de, como mulher, me deslocar com mais liberdade do que se vivesse em zonas mais isoladas. No entanto, houve situações em que, ou pela hora, ou pela zona da cidade, já tive receio de a coisa poder não correr bem, e aí o facto de ser mulher conta.»

Catarina Domingues

41 anos, Lisboa

«Há menos mulheres [do que homens] a andar de bicicleta porque a maioria das tarefas domésticas e responsabilidade com os filhos ou outros familiares ainda são unicamente ou em grande parte responsabilidade das mulheres.»