Catarina Domingues

41 anos, Lisboa

«Há menos mulheres [do que homens] a andar de bicicleta porque a maioria das tarefas domésticas e responsabilidade com os filhos ou outros familiares ainda são unicamente ou em grande parte responsabilidade das mulheres.»

Principal dificuldade

O comportamento agressivo dos automobilistas

Conselho

Não há uniforme para andar de bicicleta: normalize o seu uso como se fosse outro meio de locomoção. E, acima de tudo, divirta-se!

Qual a tua experiência em bicicleta na cidade?

Sou utilizadora diária, desde 2018, das GIRA, como meio de deslocação para o trabalho, o cinema, ir às compras, ir ter com amigos. O meu uso diário da bicicleta deve-se ao surgimento de uma maior rede de ciclovias e do sistema GIRA. Considero que ainda há muito para melhorar, nomeadamente a nível de comportamento dos automobilistas.

Fala-nos de como o teu género tem condicionado, ou não, essa experiência.

O meu género não condicionou a minha decisão de usar a bicicleta, mas isso deve-se à educação que tive, em que nunca houve diferenças de tarefas/brincadeiras devido ao meu género.

Se consideras que tem condicionado, que situações viveste, ao usar a bicicleta, em que sentiste de algum modo desigualdade, insegurança ou falta de acesso pelo facto de seres mulher?

Como referi, o facto de ser mulher não me fez sentir condicionada. Todavia, vivi situações menos simpáticas, como comentários machistas, insinuações pelo facto de andar na estrada ou não “adaptar” o meu vestuário. O comportamento dos automobilistas é sempre mais agressivo para com as mulheres por as considerarem com menos capacidade de resposta (quantas vezes, no mesmo percurso, antes de mim passa um ciclista homem e não apitam ou fazem comentários, mas quando eu passo tal ocorre). Infelizmente, as minhas queixas não são um exclusivo do uso da bicicleta, mas da sociedade em geral, pois já tive “direito” ao mesmo tipo de comportamentos sem estar a andar de bicicleta.

O que falta na tua perspetiva para que mais mulheres usem regularmente a
bicicleta como modo de transporte?

O pouco uso da bicicleta por parte das mulheres só reflete um problema geral de
discriminação da sociedade ou muitas vezes a sua própria negação. Quantas vezes
ouvimos frases como “já cansa essa conversa da discriminação” – aplicada não só a
discriminação de género – de quem não sabe o que é ser discriminado?

Em geral há menos mulheres a andar de bicicleta e da minha faixa etária (35-45
anos) ainda menos. Considero que isto ocorre porque a maioria das tarefas domésticas e responsabilidade com os filhos ou outros familiares ainda são unicamente ou em grande parte responsabilidade das mulheres.

Porém, também há outras questões que contribuem para o não uso da bicicleta por
parte das mulheres, até porque há mais mulheres a andar a pé ou de transportes
públicos do que homens: algumas não sabem andar de bicicleta, a manutenção das
bicicletas, haver poucas ciclovias, a agressividade dos automobilistas, a falta de informação sobre percursos, as falhas nos cruzamentos e pontos de interseção, a falta de estacionamento seguro, as falhas no sistema de bicicletas partilhadas (ponto de partida para muitos novos ciclistas), a ideia errada que não se podem vestir “normalmente” e não se sentirem seguras para levarem os filhos consigo nas bicicletas.

+ Histórias

Marisa Alves

54 anos, Gondomar, Porto

«O que se tem de gerir é o que qualquer mulher está habituada a fazer desde que se move pelo espaço público sozinha, evitando algum tipo de trajeto ou determinadas horas do dia. Mas isso, quer vá de bicicleta ou noutros modos. Ou seja, quanto mais seguro for o espaço público, mais mulheres andarão nele de todas as formas.»

Victória Clemente

12 anos, Belém, Lisboa

«Uso regularmente transportes públicos, e tenho sempre aquelas inseguranças e medos que nunca senti na bicicleta. Sinto-me muito mais segura na bicicleta do que em muitos transportes públicos.»

Isabel Viana

69 anos, Porto

«Lembro-me de um taxista que me bateu violentamente por trás, fui projetada uns metros… Disse-me “a senhora não devia andar de bicicleta”, “sabe que quem anda à chuva molha-se”. […] Outro disse que se eu fosse um homem me “tratava da saúde”.»

Beatrix Rencsisovszki

43 anos, V. N. Gaia, Porto

«Penso que no centro da cidade [do Porto] não conseguimos fazer infraestrutura suficiente para as bicicletas porque as ruas não são muito largas, mas podemos ensinar a ideia geral de que o mais vulnerável tem prioridade.»

Martha Branco

40 anos, Maia, Porto

«Sinto muitas vezes hostilidade e falta de respeito pelo nosso espaço nas ruas quando estamos na bicicleta. Então, digo que andar de bicicleta é um ato de amor e, principalmente, de resistência.»

Luzia Borges

49 anos, Dafundo, Lisboa

«Talvez sinta também condescendência por ser mulher, como se ser mulher fosse de uma fragilidade tal que é quase sinal de loucura andar na estrada — que “estão a pôr-se a jeito” e “depois não se queixem se forem atropeladas”.»

Maria Luísa Sousa

46 anos, Penha de França, Lisboa

«Viver numa zona movimentada dá-me o privilégio de, como mulher, me deslocar com mais liberdade do que se vivesse em zonas mais isoladas. No entanto, houve situações em que, ou pela hora, ou pela zona da cidade, já tive receio de a coisa poder não correr bem, e aí o facto de ser mulher conta.»