Marisa Alves

54 anos, Gondomar, Porto

«O que se tem de gerir é o que qualquer mulher está habituada a fazer desde que se move pelo espaço público sozinha, evitando algum tipo de trajeto ou determinadas horas do dia. Mas isso, quer vá de bicicleta ou noutros modos. Ou seja, quanto mais seguro for o espaço público, mais mulheres andarão nele de todas as formas.»

Principal dificuldade

O excesso de trânsito automóvel. Em particular, não conseguirmos ligar o ponto A ao B fazendo o trajecto mais curto e de forma aprazível , porque as cidades estão estruturadas para o automóvel.

Conselho

Ocupar o nosso lugar na via e primar pela cortesia na estrada, de preferência com um sorriso no rosto.

Qual a tua experiência em bicicleta na cidade?

A bicicleta é meu principal meio de transporte desde 2009. Fazia cada dia a ligação entre três cidades, Gondomar, Porto, Matosinhos, sendo sempre uma parte feita em estrada. Neste momento faço com maior frequência a ligação ao Porto, sendo uma parte em ciclovia e o uso quotidiano é dentro da própria cidade.

Sinto que cada vez há maior consciência por parte dos automobilistas da existência de ciclistas, mas nem sempre do seu direito à estrada. Normalmente ocupo o meu lugar na via (no meio desta), tornando-me visível e evitando os obstáculos perto da berma – como por exemplo portas que abrem de carros estacionados –, e por vezes com um ou outro protesto de condutores mal informados, mas é francamente mais seguro. Ao quererem ultrapassar-me fazem-no pela via adjacente.

A bicicleta é um veículo francamente eficiente na cidade, porque rapidamente passamos de condutores a peões e vice-versa, dando-nos uma agilidade bastante grande, podendo inclusive usufruir da intemodalidade.

Outra das situações que observo com imensa frequência… ultrapassam-nos, mas rapidamente nos voltamos a encontrar no semáforo seguinte – o que é motivo para interação simpática e oportunidade de darmos alguma informação pertinente.

Fala-nos de como o teu género tem condicionado, ou não, essa experiência.

Na verdade, sempre me senti discriminada pela positiva ao andar de bicicleta — ou porque me deixam passar, ou aparcar em sítios improváveis, onde não tenho prioridade, como passadeiras, rotundas… ou porque me deixam guardar a bicicleta em segurança, como em museus, lojas, cinema e até esquadra de polícia. Ou em viagens mais longas, acarinham-nos, cuidam-nos, dão-nos guarida, ou especial atenção.

A parte que se tem de gerir, é o que qualquer mulher está habituada a fazer desde que se move pelo espaço público sozinha, evitando algum tipo de trajeto ou determinadas horas do dia. Mas isso, quer vá de bicicleta ou noutros modos. Ou seja, quanto mais seguro for o espaço público, mais mulheres andarão nele de todas as formas. E é um dos principais indicadores que, havendo mais mulheres no espaço público, a determinadas horas, em determinados trajetos e em determinados modos (em especial os ativos/suaves) tanto mais seguro é esse espaço público. Na verdade, o acesso ao espaço público ainda nos é limitado…

Creio que aqui no Porto, e em Portugal no geral (já ouvi depoimentos de meninas brasileiras, por exemplo, com testemunhos bem diferentes ao se deslocarem em bicicleta no Brasil, inclusive, na Massa Crítica), nos acolhem, nos incentivam e acham bonito e corajoso (principalmente devido ao trânsito) que andemos de bicicleta.

O que falta na tua perspetiva para que mais mulheres usem regularmente a bicicleta como modo de transporte?

Creio que será a melhoria, ou melhorias, para qualquer outro cidadão. Reverter o espaço público, humanizando-o. Limitar e condicionar o acesso do automóvel – é o trânsito automóvel que a maior parte das pessoas teme. Aumentar as zonas ciclopedonais — não só três ruas, como há no Porto. (Estive há pouco em Vigo e estão a criar uma zona pedonal “gigante”, incentivando assim que os cidadãos deixem o automóvel, andem mais a pé, de bicicleta e de transportes públicos, e podendo as crianças vir para esses espaços jogar à bola e andar de bicicleta, como vi quando lá estive.)

Diminuir a velocidade permitida dentro das cidades, especialmente nas zonas históricas (onde deveriam estar altamente limitados os meios motorizados), nas zonas junto a escolas e infantários. Estreitar as vias para não permitir estacionamento abusivo, nem velocidades excessivas. Criar passadeiras elevadas em certas artérias da cidade para gerar essa acalmia e segurança. Desenvolver uma rede de ciclovias, ou vias cicláveis, bem feitas e não segmentos que levam de algures a nenhures, o que gera mais insegurança em quem usa os modos ativos, podendo até levar à desistência do seu uso.

E também criar ciclofaixas em contra fluxo, em certas artérias, para evitar que quem usa a bicicleta tenha que percorrer uma distância enorme para ligar dois pontos que lhe estão próximos. Deixar de haver impunidade para os automóveis, nos estacionamentos abusivos – em segunda fila, em cima dos passeios, nas passadeiras, etc., dificultando a segurança dos cidadãos e dos outros modos.

Olhar ainda para os bons exemplos e práticas aqui mesmo ao lado, como por exemplo a cidade de Pontevedra – que conseguiu em dez anos reverter para ZERO os atropelamentos na cidade. Deveria ser motivo para envergonhar qualquer político que os seus cidadãos fossem atropelados nas suas cidades e, numa grande parte dos casos, com consequências fatais.

Em suma, condicionar o uso do automóvel, desincentivando o seu uso e, paralelamente, criar mais e melhores condições para os outros modos — passando o espaço público a ser realmente das pessoas — tanto a pé, de cadeira de rodas, com carrinhos de bebé, de bicicleta… Com isto, criando cidades respiráveis, tranquilas, amigáveis, seguras e humanas.

+ Histórias

Victória Clemente

12 anos, Belém, Lisboa

«Uso regularmente transportes públicos, e tenho sempre aquelas inseguranças e medos que nunca senti na bicicleta. Sinto-me muito mais segura na bicicleta do que em muitos transportes públicos.»

Isabel Viana

69 anos, Porto

«Lembro-me de um taxista que me bateu violentamente por trás, fui projetada uns metros… Disse-me “a senhora não devia andar de bicicleta”, “sabe que quem anda à chuva molha-se”. […] Outro disse que se eu fosse um homem me “tratava da saúde”.»

Beatrix Rencsisovszki

43 anos, V. N. Gaia, Porto

«Penso que no centro da cidade [do Porto] não conseguimos fazer infraestrutura suficiente para as bicicletas porque as ruas não são muito largas, mas podemos ensinar a ideia geral de que o mais vulnerável tem prioridade.»

Martha Branco

40 anos, Maia, Porto

«Sinto muitas vezes hostilidade e falta de respeito pelo nosso espaço nas ruas quando estamos na bicicleta. Então, digo que andar de bicicleta é um ato de amor e, principalmente, de resistência.»

Luzia Borges

49 anos, Dafundo, Lisboa

«Talvez sinta também condescendência por ser mulher, como se ser mulher fosse de uma fragilidade tal que é quase sinal de loucura andar na estrada — que “estão a pôr-se a jeito” e “depois não se queixem se forem atropeladas”.»

Maria Luísa Sousa

46 anos, Penha de França, Lisboa

«Viver numa zona movimentada dá-me o privilégio de, como mulher, me deslocar com mais liberdade do que se vivesse em zonas mais isoladas. No entanto, houve situações em que, ou pela hora, ou pela zona da cidade, já tive receio de a coisa poder não correr bem, e aí o facto de ser mulher conta.»

Catarina Domingues

41 anos, Lisboa

«Há menos mulheres [do que homens] a andar de bicicleta porque a maioria das tarefas domésticas e responsabilidade com os filhos ou outros familiares ainda são unicamente ou em grande parte responsabilidade das mulheres.»