Maria Luísa Sousa

46 anos, Penha de França, Lisboa

«Viver numa zona movimentada dá-me o privilégio de, como mulher, me deslocar com mais liberdade do que se vivesse em zonas mais isoladas. No entanto, houve situações em que, ou pela hora, ou pela zona da cidade, já tive receio de a coisa poder não correr bem, e aí o facto de ser mulher conta.»

Principal dificuldade

Insegurança rodoviária e de género e preconceitos

Conselho

Não estás só!

Qual a tua experiência em bicicleta na cidade?

Em Alcochete, onde vivi parte da minha infância e adolescência, costumava usar a bicicleta (uma pasteleira da família) para me deslocar, inclusive para ir fazer compras para casa, que ficava longe da vila (não tínhamos carro). Depois, já em Lisboa, deixei de usar a bicicleta como meio de transporte (e de ter bicicleta) e só voltei a sonhar com isso quando surgiu o anúncio das bicicletas partilhadas GIRA. Comecei a usá-las em 2018 (até lá não tive smartphone com sistema android – requisito que limita o acesso), mas como moro na Penha de França, freguesia da cidade (ainda!) excluída das bicicletas partilhadas GIRA (e de ciclovias), isso implicava perder no mínimo 15 minutos só para me deslocar para a doca mais próxima.

Só pude constatar como a bicicleta é o meio de mobilidade mais eficiente na cidade quando comprei, em 2020, com um dos apoios da CML para o efeito, uma bicicleta dobrável, que ainda hoje me leva para todo o lado em Lisboa. Uso-a todo o ano para as deslocações utilitárias. Fui aprendendo a andar na cidade, ganhando experiência e conhecimento sobre equipamento (p. ex, para transportar o que preciso, para a chuva, a mecânica da bicicleta), sobre percursos (criação de novos mapas mentais da cidade), sobre a regulamentação e uso, com o simples acto de pedalar e através de outras pessoas que pedalam, ou através de colectivos, ou organizações que promovem o conhecimento específico sobre o andar de bicicleta na cidade, como a MUBi, ou a Cenas a Pedal. Andar de bicicleta na cidade é, grande parte das vezes, um prazer, e uma oportunidade para ver e viver a cidade desta perspectiva.

 

Fala-nos de como o teu género tem condicionado, ou não, essa experiência.

Sinto que o facto de viver no centro de Lisboa, numa zona movimentada, me dá o privilégio de, como mulher, me deslocar com mais liberdade do que se vivesse em zonas mais isoladas. No entanto, houve situações em que, ou pela hora, ou pela zona da cidade, já tive receio de a coisa poder não correr bem, e aí o facto de ser mulher conta.

Se consideras que tem condicionado, que situações viveste, ao usar a bicicleta, em que sentiste de algum modo desigualdade, insegurança ou falta de acesso pelo facto de seres mulher?

Por exemplo, já me senti insegura quando saía sozinha para fazer passeios em Monsanto (com a minha outra bicicleta, de gravilha) cerca das 7h da manhã, chegando a alterar, por esse motivo, um dos percursos que fazia, ou quando participo num “comboio de bicicletas” (programa de apoio à mobilidade escolar da Bicicultura) que parte bastante cedo e, para lá chegar, passo por zonas isoladas e em que não se vê ninguém. 

 

O que falta na tua perspectiva para que mais mulheres usem regularmente a bicicleta como modo de transporte?

Eu procuro ferramentas para lidar com as desigualdades, nomeadamente as que têm que ver com as representações associadas ao género, como por exemplo, em relação à literacia mecânica. Iniciativas como as do colectivo da cicloficina comunitária FEMINA (CICLODA), de que faço parte, têm tido um papel importante na promoção dessas ferramentas (em sentido figurado e literal). Também é importante conhecermos a experiência de outras mulheres (o que o Mais Mulheres e Pedalar da MUBi está a fazer), haver mais bike buddies que se apoiem umas às outras para começar a pedalar com mais frequência e treinar competências para o fazer (já existem grupos a fazer isto) e serem promovidos trajectos seguros, quer a nível da sinistralidade rodoviária, quer a nível da violência sexual.

+ Histórias

Marisa Alves

54 anos, Gondomar, Porto

«O que se tem de gerir é o que qualquer mulher está habituada a fazer desde que se move pelo espaço público sozinha, evitando algum tipo de trajeto ou determinadas horas do dia. Mas isso, quer vá de bicicleta ou noutros modos. Ou seja, quanto mais seguro for o espaço público, mais mulheres andarão nele de todas as formas.»

Victória Clemente

12 anos, Belém, Lisboa

«Uso regularmente transportes públicos, e tenho sempre aquelas inseguranças e medos que nunca senti na bicicleta. Sinto-me muito mais segura na bicicleta do que em muitos transportes públicos.»

Isabel Viana

69 anos, Porto

«Lembro-me de um taxista que me bateu violentamente por trás, fui projetada uns metros… Disse-me “a senhora não devia andar de bicicleta”, “sabe que quem anda à chuva molha-se”. […] Outro disse que se eu fosse um homem me “tratava da saúde”.»

Beatrix Rencsisovszki

43 anos, V. N. Gaia, Porto

«Penso que no centro da cidade [do Porto] não conseguimos fazer infraestrutura suficiente para as bicicletas porque as ruas não são muito largas, mas podemos ensinar a ideia geral de que o mais vulnerável tem prioridade.»

Martha Branco

40 anos, Maia, Porto

«Sinto muitas vezes hostilidade e falta de respeito pelo nosso espaço nas ruas quando estamos na bicicleta. Então, digo que andar de bicicleta é um ato de amor e, principalmente, de resistência.»

Luzia Borges

49 anos, Dafundo, Lisboa

«Talvez sinta também condescendência por ser mulher, como se ser mulher fosse de uma fragilidade tal que é quase sinal de loucura andar na estrada — que “estão a pôr-se a jeito” e “depois não se queixem se forem atropeladas”.»

Catarina Domingues

41 anos, Lisboa

«Há menos mulheres [do que homens] a andar de bicicleta porque a maioria das tarefas domésticas e responsabilidade com os filhos ou outros familiares ainda são unicamente ou em grande parte responsabilidade das mulheres.»